Com o tempo, perdi tradições que cheguei a ter. Uma delas foi comprar o El País todos os sábados. Os almoços perdiam-se às quatro da tarde, enquanto a manhã se estendia até perto disso, tudo por culpa de Babelia. Ainda assim, tenho para mim que cumpro a minha parte da tradição sempre que do outro lado da fronteira. Ontem não foi excepção. E o suplemento do diário castelhano recorda-me o porquê de me obrigar a comprar um jornal estrangeiro. Babelia é um bálsamo. Veja-se a edição de ontem. Dedicada de forma profunda à Feira do Livro de Madrid, trabalha os seus destaques longamente. E vejam-se os textos de Enrique Vila-Matas sobre o café de Paris onde Perec escrevia e descrevia o dia-a-dia da capital francesa nos seus mais banais momentos. Veja-se o texto de Juan Cruz sobre a obsessão de Mario Vargas-Llosa em escrever em bibliotecas públicas. Veja-se o texto de Antonio Múñoz Molina sobre postais, e o seu universo, e o Metropolitan Postcard Club de Nova Iorque. Veja-se a análise que Ernesto Ayala-Dip faz da literatura espanhola em 2008. Veja-se a reportagem de Gregorio Belinchón sobre Los olvidados. Guión y documentos., livro que se imagina soberbo sobre Luis Buñuel e o seu projecto mexicano de 1950, erradamente interpretado à época e agora recuperado num trabalho de investigação extensiva de Carmen Peña Ardid e Víctor M. Lahuerta Guillén. Vejam-se os textos sobre Pedro Calapez, com exposição na capital espanhola, ou Marta Wainwright, irmã de Rufus com novo trabalho. Tudo em Babelia flui, como se surgisse sem esforço, como se tudo o que interessasse no mundo fosse aquilo mesmo, naquele momento. E no fundo, contrariamente, Babelia acaba por surgir, a mim, como arma de arremesso: do mundo perfeito, contra a realidade impressa. Também eu gostava de escrever em bibliotecas sem tempo próprio, ou perder-me num velho hotel nova-iorquino por entre milhares de postais, ou desvanecer-me nas imagens de Buñuel, disfarçado de mendigo, nas ruas da Cidade do México. E nada disto está em Espanha mais do que aqui. Apenas o reflexo, semanal, é mais visível. E logo mais feliz e mais triste.
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