A ida ao "estrangeiro", como se dizia há não muitos anos, traz sempre a sensação da mediocridade local perante o espanto e fascínio do que se passa lá fora. Ainda que tente contrariar esta ideia, e veja-se a inusitada agenda de concertos em Portugal este ano, é quase inevitável que se olhe para o que se faz aqui ao lado, ou ali mais à frente, para não ir mais longe, como algo digno de nota. Vejam-se as exposições nas duas maiores instituições de arte e cultura de Barcelona neste momento. No Macba (Museu de Arte Contemporânea de Barcelona) convivem uma sensaborona colecção fixa com uma temporária sobre Nomeda & Gediminas Urbonas. O casal lituano, que confesso desconhecia por completo, desenvolve trabalho na área dos new media aplicados à arte, com a particularidade de olhar para uma dimensão social da mesma sem tiques de neo-realismo. O resultado, a avaliar pelo que está no MACBA, é um dos movimentos mais interessantes de nova arte que conheço, que tanto se ocupa da produção de som a partir da sombra criada sobre sensores de luz, como da criação de uma consciência real sobre os cinemas desaparecidos de Vilnius. A exposição patente na capital catalã, sob o tom dos dispositivos para a acção, dá uma boa ideia da atitude pro-activa, motivadora e esteticamente comprometida (para o bem) dos novos valores da Europa de Leste. Poucos metros à frente, o CCCB (Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona) dá a ver uma iniciativa sua: "Magnum. 10 Sequências". De uma profunda inteligência, a mostra parte da inversão da comum interpretação do cruzamento do cinema com a fotografia e pediu a dez fotógrafos da agência Magnum para olharem para si e para os filmes que criaram, inconscientemente, as suas fotografias. O resultado é uma exposição brilhante, com uma instalação pensada ao milímetro e no gume do bom gosto, onde se olha, de frente, para as zonas de confronto da imagem fixa com a imagem em movimento (e por vezes a imagem-movimento, se quisermos pensar em Deleuze) e como a segunda pode também ser contaminada pela primeira, transformando fotógrafos em agentes da imagem perturbados por cinema que lhes é anterior. Da parede para o ouvido, a cidade promete um Primavera Sound com dose dupla de Portishead, com Animal Collective e Rufus Wainwright, com Cat Power e The Go!Team e MGMT e Matt Elliott e Okkervil River e Vampire Weekend e dezenas de outros concertos, num festival de dimensão europeia dividido em inúmeros espaços pela cidade. E perante tudo isto, liga-se a televisão e Rodolfo Chikilicuatre destrói o velho do Restelo em cada um de nós, fazendo recordar que também o jardim do Éden tinha maçãs fora de prazo. O representante de Espanha no decadente Festival da Eurovisão (evento que ontem proporcionou momentos de puro delírio), escolhido pelo público, invadiu o país com o chiki chiki, não dando hipótese a qualquer outro produto para o Verão de 2008. O El País de ontem enchia páginas com a discussão em volta do apoio e patrocínio do Instituto Cervantes e da TVE ao personagem bizarro, e na rua não há criança que não saiba a letra da bizarma musical. Antes do dito Festival, a televisão pública mostrou alargado debate sobre Chikilicuatre, com previsões sobre o resultado em Belgrado, os principais concorrentes e directos para a capital sérvia, atirando Rodolfo como a oitava maravilha do continente, desta feita saído, provavelmente, da Chueca. No limite, sendo que o saldo de tudo isto é positivo, há sempre dois lados da mesma moeda, e ambos sorriem.
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