"Do melhor de 2006 é o fim. Todos os anos são bons desde que tenham um fim. Ou, de forma mais concreta e anglo-saxónica, closure. Muito em breve, o Animatógrafo terá origem de outro local. Muito em breve o Animatógrafo poderá ter outras visões. Muito em breve, tudo poderá ser diferente. Muito em breve posso ter insónias, programadas há anos, que poderão resultar em algo público. Ou púdico. Ou púbico. Muito em breve tudo poderá ser igual, sendo diferente. Muito em breve toda esta brevidade poderá redundar em languidez. Não tenho cancro. Não sou espírita. Não sou de direita. Não vou emigrar. Não vou permanecer. Não me esqueço. Não me fico. Não resisto. O ano está morto. Viva 2023."
Cresces a ossos. Lento. Intermitente. Reconheces hoje a impressão visual que deixas, e o peso é dos seguidores. O tempo segue-te. Na pausa há que assumir o silêncio, ou a nuance das plantas que, ao crescer, remanescem no sangue. Ou nos ossos. Cresces. O fúnebre da luz anima-te mesmo quando. Ou o prazer da temperatura dos dias quentes. E apenas a recordação breve. Automática. Como se, ou antes.
Meses depois, e a visita. E expectativas que se cumprem. Mas vamos por partes. Neste momento, o CCB expõe um conjunto de obras da colecção de Joe Berardo. Sabemos que o conjunto exposto está longe da totalidade, mas ainda assim ficam algumas ideias. Primeiro que tudo, a de que não existe uma ideia de exposição, antes uma de conjunto ou agrupamento. Dividida por estilos, ou associações de conceitos, ou núcleos, a exposição tem no piso 0 uma série de trabalhos sob a égide "Surrealismo e Mais Além". E é, definitivamente, a pior parte do espólio, tal como está. Com uma única linha condutora - a do figurativo - misturam-se Breton com Pollock, Picasso com Matta ou Warhol. Estão Cesariny e Cruzeiro Seixas, mas misturados com Miró e Ernst. Todos os quadros parecem desamparados, e sobressai claramente a noção de posse mais do que a de colecção. Berardo parece aqui ter as obras, mas não enquadradas num espírito de reflexão sobre si mesmas, ou sobre o movimento. Ter por ter. Excepção feita, aqui, às fotografias de Fernando Lemos (já vistas em Sintra), em sala própria e que se sustentam por si mesmas, sem ligações extra. E nota sublinhadamente negativa para Head, de Jackson Pollock, cujo Expressionismo Abstracto não cabe de forma alguma frente a Picasso ou perto de Miró. O quadro de Pollock é, aliás, um dos trabalhos menores, e nada justifica a sua inserção para além do "querer mostrar" de Berardo. No piso -1, a coisa mantém a mesma linha de rumo, ainda que com surpresas positivas. Em Figura Reinventada, uma sala acolhe The Barn, de Paula Rego, e Oedipus and the Sphinx After Ingres, de Francis Bacon, ao lado de trabalhos desinteressantes de Pierre Klossowski ou Eric Fischl. Em Poder da Cor, guarda-se toda uma sala para Cabrita Reis e mostra-se Frank Stella, ignorando Malevich ou Rothko (terá Berardo algum?). Em Pop & C.ª naturalmente surgem Lichtenstein e Warhol, ao lado de Lourdes Castro (!). E depois algo que justifica a visita a Belém: a secção Autonomia, que, supostamente, tem como linha de partida o facto das artistas expostas serem mulheres (!). Por sorte, o que vem à tona é muito mais do que isso, revelando uma dimensão organizada sob o chapéu da vanguarda ou do risco. É aqui que estão diversos trabalhos de Helena Almeida ou Cindy Sherman. É aqui que se descobre o empenhamento, em finais da década de 70, de Ana Mendieta, ou a frontalidade do real de uma desconhecida (confesso a ignorância) Aino Kannisto. Repare-se que, aqui, todas elas alicerçadas em imagem fotográfica ou vídeo. É aqui também que está devidamente alojado o extraordinário projecto Balkan Barroc, de Pierre Coulibeuf, que só por si compensa a deslocação. Apresentado como instalação, tratam-se de dois filmes e uma fotografia, todos na mesma sala. Os vídeos correm em simultâneo, em paredes diferentes mas na mesma orientação de profundidade, de forma a que um seja pano de fundo deslocado do outro. Em ambos, a figura central de Marina Abramovich, performer de body art nascida em Belgrado. Em imagem de fundo, um loop de menos de um minuto com a jugoslava a ser conduzida num Caddilac, algures na Europa de Leste. No outro, uma longa metragem de uma hora com a biografia ficcionada da mesma, onde concorrem imagens surreais criadas como fantasmas, percorrendo uma vida imaginária de uma artista. O resultado é extraordinário, quer pela liberdade de Marina nas suas pressuposições, quer pelas margens visuais a que tanto ela como Coulibeuf não se reduzem. O filme traça uma vida mental de uma artista potencial, que se exprime pelo corpo e com o corpo, mas não se extingue no mesmo. Ano a ano, o vídeo é uma peça de arte, profundamente pensada e livre, onde se criam imagens na mesma proporção da sua profundidade simbólica. A presença de Abramovich é esmagadora nos mais diversos sentidos, e o projecto de Coulibeuf é uma lança em África numa exposição à deriva, no mar de dinheiro e insanidade de Berardo. Absolutamente a não perder para mentes inquietas.
Se olharmos para a filmografia de David Cronenberg, encontramos objectos cinematográficos muito marcantes das três últimas décadas. De Videodrome, em 1983, a A History of Violence, de 2005, passando por The Fly, Naked Lunch, Crash ou eXistenZ, estamos perante um dos realizadores mais criativos do cinema contemporâneo do lado de lá do Atlântico. Temas: muitos, da ligação homem-máquina, à realidade-não realidade, até à violência. E olhando para tudo isto, e para Eastern Promises, é claro que este é um filme menor. Não que seja um filme mau, atenção. Aliás, não se conhece a Cronenberg, para já, tal conceito. Porém, o último trabalho do norte-americano está uns furos bem abaixo até dos dois filmes anteriores que deixaram marcas mais invisíveis do que os que lhe deram nome (ainda que A History of Violence seja brilhante). Sinopse: "Perturbada pela morte de uma jovem que ajudou durante o parto, Anna (Naomi Watts) tenta encontrar a família do recém-nascido a partir do diário da mãe, escrito em russo, único meio para tentar identificá-la e perceber o que lhe aconteceu. Antes de começar a traduzir as páginas, Anna encontra Semyon, proprietário do luxuoso restaurante Trans-Siberian, que promete ajudá-la. Mas Semyon é na verdade o líder de um "gang" russo e quando percebe que o caderno o pode incriminar tenta a todo o custo arrancá-lo a Anna. À medida que revelações explosivas são feitas, e o tio de Anna vai traduzindo o diário, o número de vidas em risco aumenta..." (Cinecartaz Público). Posto isto, parece óbvia a tecla violência como temática de novo eleita pelo realizador. Depois da fase real/não real/irreal, cumprida sobretudo com eXistenZ e Naked Lunch, Cronenberg procura a violência frontal, sem contemplações. A primeira cena de Eastern Promises, aliás, revela-o de forma bem explícita, numa garganta cortada realisticamente, sem a limpeza comum de Hollywood. Mas, e aqui a surpresa, a chama extingue-se ao longo do filme, e o que podia ser um golpe de asa perde-se rapidamente. O argumento é sólido, mas demasiado previsível, e, enorme pormenor, toda a estrutura assenta na performance de Viggo Mortensen, novo actor-fetiche. Sim, o desempenho de Mortensen terá muito possivelmente o Óscar garantido, mas leva o filme às costas, e isso não é comum. Se em A History of Violence o cinema no filme era assegurado por um equilíbrio entre realização, representação e argumento, em Eastern Promisses Cronenberg anula-se perante a presença esmagadora de Mortensen, que canibaliza, assim, todo o filme. O resultado é um filme muito aquém do expectável, que desce a fasquia sobre o realizador e mantém o olhar superior do actor. Não é conhecido novo projecto de Cronenberg, mas assim estamos mal. Aos génios exige-se mais do que a banalidade do gesto.
"Natal é a capital do estado brasileiro do Rio Grande do Norte, pertencente à Região Metropolitana de Natal, à Microrregião de Natal e à Mesorregião do Leste Potiguar. É conhecida como "Cidade do Sol" por ser uma das cidades com o maior número de dias de sol no Brasil, chegando a aproximadamente trezentos. Também é chamada de "Cidade Presépio" ou "Cidade dos Reis", por causa de seu principal ícone, o Forte dos Reis Magos. Também a chamam de "Capital Espacial do Brasil" devido às operações da primeira base de foguetes da América do Sul, a Barreira do Inferno, em Parnamirim. O nome do município vem do latim natale e, segundo escritores, seu nome pode ser explicado por duas versões: a primeira refere-se ao dia em que a esquadra penetrou na barra do Rio Potengi; a segunda tem ligação direta com a data da demarcação do sítio primitivo da cidade, realizada por Jerônimo de Albuquerque no dia 25 de dezembro de 1599 (Dia de Natal). É dotada de muitas belezas naturais, atraindo por volta de 2 milhões de turistas ao ano, que procuram, por exemplo, o Carnatal, a maior micareta (bloco de rua) do planeta."
"Não morras já. Imagina tu para quantas pessoas és uma segurança na vida delas? Não falo dos teus familiares. Na dependência possível deles. Falo de todos os que te conhecem e para quem tu és um ponto de referência para a vida continuar. Conhecem-se, vêem-te, estás aí na segurança de nem sequer pensarem em ti. Mas quando morreres, pensam, porque deixam de sentir a tua mão na deles enquanto dormiam. E sentir-se-ão ameaçados pela tua morte à sua vida. Não morras já. Protege com a tua vida a daqueles que te conhecem. E que até possivelmente te detestam".
Há 30 anos, o país era a redução dos seus compostos. Pouco antes, tudo se sublimava nos actos e, em virtude dixit, o povo era apenas uma memória duradoura de um mito. Há quase 30 anos, o tempo afirmava-se na velocidade quente dos dias, e o que viriam a ser estilhaços comungava alegremente em volta de carne.
“A polícia angolana matou na segunda-feira à tarde dois actores amadores que rodavam um filme amador em Sambizanga, um dos bairros mais violentos de Luanda. Segundo Radical Ribeiro, assistente de produção, tudo aconteceu num minuto, quando uma patrulha irrompeu no local das filmagens, confundindo a ficção com a realidade. (...) Os polícias tinham confundido os actores com assaltantes a sério e apenas a intervenção dos outros agentes evitou uma tragédia maior. (...) A polícia também adiantou que o filme devia chamar-se Sem Piedade.”
À data da morte de Ian Curtis, eu era apenas um recém-nascido. E por isso os Joy Division só me chegaram muitos anos depois, diferidos, quase como mito de uma personagem perdida algures no cinzento de Manchester. Porém, isso de forma alguma diminuiu o interesse no carácter perturbado da voz de "Love will tear us apart". Pelo contrário. E assim, Control surge como documento obrigatório. Surgiria, aliás, de qualquer forma, uma vez que se trata da estreia em motion picture do fotógrafo Anton Corbijn. Control tem, então, duas dimensões marcantes que convivem para um resultado final. Do ponto de vista do argumento, em momento algum se estabelecem equívocos: o filme é um biopic de Ian Curtis e de forma alguma deve ser confundido com uma revisitação dos Joy Division enquanto banda e projecto. E daí decorrem duas horas inteiramente focalizadas em Curtis, com a banda a surgir apenas na medida da sua ligação (íntima) com o vocalista. Para além disso, Ian é sempre apresentado como ser humano complexo e impregnado de problemas (desde uma epilepsia reveladora a uma depressão galopante), e não, como noutros filmes, como alienado. São estados diferentes, e alicerçar o filme derradeiro na primeira é uma manobra de pura inteligência, conferindo quer ao trabalho quer à personagem uma profundidade necessária. Quanto à estética, Corbijn parte para um preto-e-branco pastoso e uma fotografia imaculada, mas que nunca se socorre de técnicas fotográficas estáticas, como muitas vezes acontece com fotógrafos que "dão o salto". A imagem, de Curtis como dos Joy Division como de Manchester, é apurada mas não perdida de si mesma. O filme, enquanto documento de imagem em movimento, agrega-se em volta de uma estética própria mas que, felizmente, não quer ser mais do que é. E aqui Corbijn ganha por completo a aposta e é aprovado com distinção. O resultado de tudo isto é um filme sólido, sedutor na imagem, e coerente no conteúdo. Longe de uma obra-prima, e também porque não almeja sê-lo, é um dos melhores do ano.
Posto tudo o que se põe, os estimados convivas alvo de um convite estão notificados para dia 7 de Dezembro, a partir das 21h, estarem disponíveis para um fenomenal repasto. Desta feita Roy Orbinson não pode estar presente, mas terão a possibilidade de se despir. Perante a ausência generalizada de sugestões de tema, assumo de novo a responsabilidade. Assim, teremos a espantosa possibilidade de abordar Memórias de Natais Passados. Aceitam-se fotos, vídeos, bonecos degolados, cartas de suicídio, bolas de sabão, esforço oral. De novo, também se aceitam textos deste tasco como forma de desafio ignóbil ao seu autor, que ripostará com uma total ausência de conversa de trabalho. Tornam-se necessárias confirmações, até às 12 horas de dia 4, e sugerem-se companhias libidinosas (oficiais ou oficiosas). O local será revelado a quem tiver a esperteza de aceitar o risco, no próprio dia. Pistas: não é uma casa de putas, nem uma casa de banho. E esta, heim?
"Teresa Salgueiro decidiu sair dos Madredeus para se dedicar aos seus projectos a solo, mas mantém-se disponível para colaborações futuras com o grupo português, afirmou hoje a cantora à agência Lusa.
"Foi uma decisão ponderada e tomada em mútuo acordo com o grupo", sublinhou Teresa Salgueiro, recusando falar no fim do projecto, surgido há 22 anos e que se afirmou como um dos mais importantes da música portuguesa.
"A partir deste momento todas as decisões sobre o grupo são do Pedro [Ayres Magalhães], mas de futuro mantenho-me ao dispor para eventualmente cantar, dentro da minha disponibilidade e da conveniência do grupo", assinalou.
Teresa Salgueiro decide sair por não ter disponiblidade para se dedicar a tempo inteiro aos Madredeus, quando está envolvida em três projectos diferentes.
"Os Madredeus são independentes e exigiam uma grande entrega e disponilidadade que hoje não posso dar", disse.
Teresa Salgueiro anuncia a sua saída dos Madredeus numa altura em que intensifica a sua agenda de concertos de promoção dos dois álbuns que editou em nome próprio, "Você e Eu" e "La Serena".
Além destes dois projectos, Teresa Salgueiro é ainda uma das solistas do álbum "Silence, Night and Dreams", do compositor polaco Zbigniew Preisner, e integra o elenco do concerto de apresentação ao vivo, domingo, no Barbican Center Hall, em Londres, com a participação da Orquestra Sinfónica de Londres.
Este anúncio de Teresa Salgueiro surge também no final de um ano sabático, que os Madredeus iniciaram em 2006.
Em Outubro do ano passado, Pedro Ayres Magalhães, fundador e principal compositor dos Madredeus, anunciou que o grupo iria parar por um ano "para pensar e reorganizar" as suas actuações.
Na altura, o músico garantia que o grupo não iria acabar, mas apenas reduzir o ritmo de actuações e edições discográficas que mantinha desde os anos 1990.
Apesar da saída dos Madredeus, Teresa Salgueiro diz que ficará "sempre ligada" ao grupo que a deu a conhecer nos anos 1980.
"Estou muito grata ao grupo por ter participado nesta extraordinária aventura que foram os Madredeus", subinhou.
Teresa Salgueiro, 38 anos, entrou para os Madredeus em 1986, com apenas 17 anos, depois de Rodrigo Leão e Gabriel Gomes a terem ouvido cantar em Lisboa."
Robert Zemeckis é um clássico do cinema dos últimos 20 anos. De Who framed Roger Rabbit? a Back to the Future, até Forrest Gump, o realizador norte-americano é um dos elementos chave dos melhores filmes de entretenimento das últimas duas décadas, independentemente de se gostar ou não de cada um. Para além disso, há muito que Zemeckis procura o cinema enquanto dispositivo evolutivo, que se adapta para além do presente. Senhor de uma visão pessoal, o realizador tem tentado surgir com inovações técnicas que nos permitam olhar para o cinema fora da caixa. E com Beowulf isso é levado ao extremo limite. Do ponto de vista argumentativo, Beowulf surge pela pena de Neil Gaiman, o que é, desde logo, garante de qualidade suprema. Recupera-se o domínio da lenda, numa realidade pós-Lord of the Rings, sem se mimetizar o projecto de Peter Jackson, mas antes retornando às raízes reais de uma civilização, num contexto contido. A lenda é simples, mas elaborada: num reino prévio à civilização romana, o rei Hrothgar e os seus súbditos, vencedores de todas as guerras, são continuamente amedrontados pelo monstro Grendel. Dos mares surge Beowulf, guerreiro supremo, que não só vence Grendel como se assume como centro da promessa e ligação que determinará toda a história. Mas bem mais que isso, Beowulf, na sua versão 3D, é toda uma nova proposta perceptiva. Quando, em plenos anos 80, o país parou por causa de uma transmissão 3D da RTP, estávamos a anos-luz do resultado final de Zemeckis hoje. Os óculos já não são em papel com uma lente de cada cor, e 3D não é apenas uma imagem desfocada. Beowulf em digital e 3D é efectivamente uma nova forma de olhar a imagem, dir-se-ia, um novo cinema. A profundidade e textura da imagem são fenomenais desde o primeiro segundo, e a percepção de um guião é profundamente alterada. Quando Grendel ataca em plano frontal, somos nós os atacados. Quando a mãe de Grendel emerge das águas, destaca-se de todo o plano de fundo, e parecemos estar mergulhados no mesmo líquido. O digital 3D de Beowulf é extraordinário e inaugura uma nova forma de olhar para o ecrã, que adquire espessura. E tudo se torna mais fácil com o motion capture, técnica de animação aplicada sobre imagem real. Zemeckis filma Anthony Hopkins e Angelina Jolie e depois aplica um filtro de imagem que os destaca da pele real e lhes confere um aspecto misto de filme e banda desenhada, sem uma determinante preponderância de nenhuma das dimensões. O resultado é uma estética fantástica que aproveita o trabalho humano dos actores e o transforma num universo estético próprio. E é aí que as 3D se alicerçam, como âncoras. Beowulf é um documento histórico (mesmo que os seus sucessores o venham a recusar), e a versão 3D é fundamental. Portugal tem 13 salas totalmente digitais (entre 21 europeias) e Lisboa tem 4 a passar a versão 3D desde esta semana, sendo que a versão "normal" estreia na próxima quinta-feira. Um dos grandes filmes do ano, verdadeiramente imprescindível.
Meses de penúria e de repente todo um nó cósmico se desenlaça. Entre final de Novembro e início de Dezembro estreiam em Portugal cinco filmes cinco que vão marcar o balanço do ano. Já esta semana, e depois de passar no Festival Europeu de Cinema do Estoril, aparece Control, de Anton Corbijn. Primeiro, o realizador, para os mais desatentos, é o responsável por toda a filmografia em volta da carreira dos U2 e dos Depeche Mode. Desta feita, na sua estreia a sério em cinema, o fotógrafo atira-se à biografia de Ian Curtis. O mítico vocalista suicida dos Joy Division é o objecto de interesse do holandês que, segundo rezam as vozes informadas, fez algo para ser amado e odiado. Na próxima semana, a 22, Robert Zemeckis de volta, e com vontade de voltar a virar o cinema de pernas para o ar, enquanto dispositivo. Beowolf é muito mais do que a história do guerreiro homónimo que enfrenta o monstro Grendel. É sobretudo um enorme passo em frente na motion capture, técnica de animação digital a partir de actores. A coisa motiva já a Lusomundo como primeira distribuidora a ter salas totalmente 3D, num total de 13, recorde europeu. E o resto pode ser um visual invulgar que conjuga representação real, banda desenhada e jogo de vídeo, e um guião do mago Neil Gaiman. Na semana seguinte, a 29, os regressos de Cronenberg e Gus Van Sant. O primeiro com Eastern Promises, drama violento com a máfia russa em fundo e Viggo Mortensen em plano frontal. Já deixámos aqui o trailer há uns tempos, mas as reacções nos EUA dão conta de algo novamente ao melhor plano de Cronenberg, depois do extraordinário A history of violence, porque ninguém filma a violência assim. No mesmo dia, aparece nas salas Paranoid Park, cenário de um crime aparentemente simples (a morte de um segurança). Van Sant manteve a tónica em jovens adolescentes e a ideia parece ser mesmo a de paranóia, perseguição, dúvida e controlo, num trabalho, há quem diga, de final operático. Ainda sem data, está Youth without Youth, o regresso de Francis Ford Coppola dez anos depois. A imagem de fundo é pré Segunda Guerra Mundial, e alguém muda por ser atingido por um cataclismo. Não se sabe muita coisa, mas sabe-se que Tim Roth e Bruno Ganz dão o corpo ao manifesto. As críticas até agora não dizem maravilhas, pelo que se teme o pior, pois que a Coppola exige-se o mundo e tudo o mais. E nos entretantos estreiam ainda Wim Wenders, Aki Kaurismaki, Ridley Scott, Otar Iosseliani. Cada tiro cada melro, cada cavadela uma minhoca.
[sobre "A morte do Sr. Lazarescu", agora em cartaz, recupero texto de Maio 2006, quando da passagem pelo IndieLisboa]
O senhor Lazarescu está condenado. Dói-lhe o estômago, vomita desde manhã, dói-lhe muito a cabeça. É um velho coitado que vive em Bucareste, com três gatos, uns vizinhos pouco prestáveis, um problema com o álcool, uma filha que emigrou para o Canadá, um apartamento sórdido. Está condenado, os médicos vão dizer-nos que tem um neoplasma no fígado e pressão intra-craniana. Cancro e traumatismo, qualquer um dos dois fatal. The Death of Mr. Lazarescu é, por título, literal: são os 153 minutos da literal morte do senhor Lazarescu. E aqui a primeira perfeição do filme de Cristi Puiu, uma ode à mortalidade. O espectador assiste, de forma consciente, literal e completa, à morte do senhor Lazarescu. Em termos abstractos ou filosóficos, se quisermos, no limite, todos assistimos à morte uns dos outros, na medida em que todos estamos a morrer a cada segundo. Mas se quisermos restringir um pouco a coisa, e não caírmos no radicalismo de considerar a morte o singular instante em que o músculo maior pára de bater, chegamos à morte do senhor Lazarescu: duas horas e meia literais em que o personagem está, literalmente, a morrer. A cada segundo o organismo do senhor Lazarescu piora, o cérebro sente a pressão e abranda cognitivamente, o fígado sente o cancro a alastrar e desiste de si mesmo. E isto era o suficiente para matar o senhor Lazarescu em duas horas e meia? Não. E aqui a segunda perfeição do filme de Cristi Puiu: o senhor Lazarescu morre em duas horas e meia porque vive em Bucareste, com vizinhos pouco prestáveis, hospitais surreais, médicos absurdos, uma filha que emigrou para o Canadá, ambulâncias que percorrem a noite de hospital em hospital, o azar de um acidente de autocarro que vitima algumas pessoas e domina as cabeças romenas numa noite. Quando o senhor Lazarescu entra na ambulância para o hospital, já o filme se afastou bem do início e o espectador já percebeu que a Roménia, para além do cancro e da pancada na cabeça, é fatal. Quando o senhor Lazarescu, espirituoso e mal-humorado, chega ao primeiro hospital, já o espectador percebeu que não vai ser o primeiro, nem o último, e que a morte apenas se acelera ao comando do médico estalinista que lhe chama bêbado (o que é verdade) e que o despacha para outro hospital, porque está tudo cheio por causa do acidente de autocarro. Os romenos do acidente têm sangue à vista, o senhor Lazarescu só tem bafo de álcool e mau feitio à vista, a morte é relativa. A morte dos romenos do acidente é um drama, coitados, a morte do senhor Lazarescu nem se vislumbra. Mas nós vemos o senhor Lazarescu a morrer. E antes disso, a descer aos infernos, a perder a capacidade de fala, a não ter capacidade para assinar um termo de responsabilidade para ser operado e, consequentemente, a ser recusado por um médico legalista que o despacha para o próximo hospital, enquanto procura, prioritariamente, um carregador Nokia para o seu telemovel. E o senhor Lazarescu morre? Não. E aqui a terceira perfeição do filme de Cristi Puiu: o senhor Lazarescu não existe. Mas nós vemos o senhor Lazarescu a morrer aos bocadinhos, a vomitar sangue, a entrar e sair de hospitais, a fazer um TAC ao cérebro. E ao fim de cinco, sete minutos (como o lusco-fusco) já nos esquecemos que o senhor Lazarescu não existe e olhamos para o senhor Lazarescu como alguém que está, literalmente, a morrer. Ou seja, Puiu filma de forma brilhante uma ficção com cara de realidade. Não é, assim, Puiu que mata o senhor Lazarescu, mas a Roménia, o sistema de saúde romeno, os vizinhos romenos, as ambulâncias romenas, a noite romena, os médicos romenos, os acidentes de viação alheios romenos. E, assim, Cristi Puiu filma uma Roménia (haverá outras) que mata o senhor Lazarescu. The Death of Mr. Lazarescu é um filme duro, pensado, difícil, literal e ficcional, realista e abstracto, sobre a mortalidade e sobre o absurdo da realidade. Foi premiado em Cannes em 2005, com o prémio Un Certain Regard, e noutros tantos festivais, e não deve sair de Lisboa sem uma menção especial. É cinema independente no seu melhor, com tudo no sítio, incluíndo o espectador. Não há muita gente a fazer filmes assim.
Concretizado o primeiro repasto sob a égide do Animatógrafo, fica o balanço:
1) - Efectivamente, todo o fado é vadio até à chegada de Roy Orbison;
2) - Efectivamente, todas as putas sabem mandar calar os descontraídos;
3) - Efectivamente, quanto mais toupeira mais entorna;
4) - Efectivamente, antigamente as figuras eram menos tristes do que aos olhos de hoje.
5) - Efectivamente, nenhum dos convivas teve a coragem de se munir de textos deste honorável tasco para colocar o seu autor em cheque. Pelo que o pagamento foi em cartão.
Posto isto, será levado a cabo novo evento já em Dezembro, para o qual se aceitam sugestões de tema. Mais se informa que não existirão guitarradas, mas coisas do corpo. Atirem-se de cabeça.
Usualmente, os fóruns de discussão pública e política baseiam-se na já comum retórica vazia do discurso político. Usualmente, os elementos mais extremados aproveitam esses mesmos fóruns para ataques à descrição, sem pudor e conhecedores do impacto mediático e da impunidade que graça no mesmo discurso global, povoado por um sonambulismo assumido. Desta feita, Juan Carlos impregnou-se da raça hispânica clássica e mandou calar, com todas as letras, Hugo Chavez, enquanto Zapatero defendia um defunto Aznar da forma mais respeitosa possível. O resto ficou a encolher-se e pena foi que Chavez calou-se mesmo, ainda que reagindo polidamente logo de seguida. Seria curioso que a discussão tivesse aquecido, pelo menos para ver se o conflito semântico se reduzia aos dois representantes, ou se mais alguém aceitava a frente do touro. Ainda assim, fica um rei não morto. Viva o rei.
A Islândia é uma ilha. São 103.000 km2, com 313.000 pessoas. O resto são paisagens irrespiráveis, que deram origem a um documentário absolutamente belo. Heima, o trabalho cinematográfico sobre a tourné gratuita dos Sigur Rós no Verão de 2006, é um documento de uma estética esmagadora, ao serviço da mente. A música dos islandeses é de enorme proximidade com as pessoas e locais escolhidos, e essa ligação flui de forma extraordinária ao longo de 97 minutos. Mais se compreende que a ideia de fazer um conjunto de concertos gratuitos em pequenas cidades da ilha vem precisamente de uma pureza de criação invulgar, a mesma que os membros do grupo se esforçam por explicar, por poucas palavras. O trabalho de fotografia é imaculado, as entrevistas determinam o ritmo, o som captado de forma perfeita, a montagem capaz dos melhores racords. O filme torna-se, assim, não só uma peça essencial para compreensão dos próprios Sigur Rós, como uma reflexão sobre um imaginado espaço de origem, essência de um algo que não se descreve, mas antes se mostra. Para além disso, em muito se explora o impacto do som, enquanto criação humana, nos seres e espaço em seu redor, e a sua capacidade encantatória quando fruto de total generosidade. Já o duplo Harf/Heim, editado no mesmo dia do DVD, não acrescenta muito à carreira dos islandeses, mas também não seria esse o propósito. Hvarf apresenta cinco originais presentes no filme, peças suficientemente abrangentes para poderem estar em algum dos álbuns de originais editados até à data, mas ainda assim fruto do amadurecimento do grupo. Heim, por seu lado, são seis versões acústicas de temas mais conhecidos, em que os Sigur Rós procuram uma simplicidade não presente na versão original e que surgiu em virtude de Heima. A ligação entre o CD e o DVD é, aliás, segura. Sugere-se ainda o fotoblog que os senhores criaram, com algumas das imagens e sons presentes no filme (ver aqui). Tudo para recuperar fé na existência das coisas.
Jerry Seinfeld é Jerry Seinfeld. Conan O'Brien é Conan O'Brien. Os dois no mesmo local, à mesma hora, para todo o mundo ver, é a maior concentração de génio cómico vista nos últimos tempos largos.
Tempos houve em que a HBO era a meca dos melómanos da TV. Se nos quisermos lembrar, a HBO está na origem de The Sopranos. Se nos quisermos lembrar, a HBO arriscou quando mais ninguém arriscou. Mas como tudo o que arrisca engorda, a mesma HBO tornou-se burguesa. Lançou Carnivale, uma das melhores séries de televisão da última década, para a cancelar ao fim de duas temporadas, a meio da história, e substituir por Rome. Mantém ainda Curb your Enthusiasm, já cansado. E o resto são boas memórias, Sex and the City, Six Feet Under, Deadwood. Hoje, desse império, nada resta. Pela bruma, a Showtime, mera desconhecida, lançava The L Word e começava a agitar mentes. O produto era claramente um passo à frente: a primeira série clara e transparente sobre lesbianismo. E com a queda da HBO, a Showtime abordou o futuro com base no risco. Primeiro apareceu Weeds, formato original com uma mãe que vende marijuana para manter o nível de vida após a morte do marido. A série chegou a passar na RTP2 este Verão, mas, como tudo o que é bom na televisão generalista portuguesa, morreu logo depois, sem aviso. Agora surge, em ecrãs nacionais, Dexter, novo fio na navalha, com um polícia forense em tom de serial killer, cordeiro em pele de lobo. A produção é exemplar, a ideia fantástica, o personagem um sonâmbulo social que conjuga CSI com Nip Tuck, numa Los Angeles solarenga e suada. E, continuando a chupar o filão doce, a Showtime atira-se ao que faltava. David Duchovny faz por esquecer os longos anos de alienação X e surge aos olhos do mundo como um escritor em crise de meia idade, Porsche descapotável de farolim partido e falta de inspiração. Adicionando muito sexo e algumas drogas obtém-se Californication, a nova sensação do panorama audiovisual norte-americano, e em breve global, nos países mais open minded. O Animatógrafo pescou os primeiros episódios (ainda são só 12, e só vimos 3) e a coisa, sinceramente, promete. Claro que ainda se está muito na fase de procura, e existem ainda inconsistências, mas já se notam diálogos fantásticos e um ambiente misto de promiscuidade e consciência que será a pedra de toque mais para a frente. Para já, as reacções norte-americanas têm-se extremado, o que é sempre bom sinal. Sim, já começamos a deitar séries pelos olhos, e daqui a algum tempo já ninguém conseguirá ver qualquer série, mas é bom saber que existe uma descendente da HBO à altura das exigências. It's Showtime.
Não, não é o seguimento dos Alcoólicos Anónimos. Farto de trabalhar que nem um cão e apenas conseguir falar com os amigos nos intervalos das frustrações (ou durante as mesmas), decidiu este blog promover um repasto, mensal, para discussão dos mais variados temas. Do Thomas Edison a Rui Costa, da crise no Pingo Doce da Malveira ao divórcio de Sarkozy, da qualidade das putas em Copenhaga ao Noddy armado em pescador, tudo é admitido enquanto assunto, à excepção de trabalho. O evento poderá ainda, mediante procura e confirmação, ser temático. O primeiro está agendado, também mediante confirmação, para a próxima sexta-feira, dia 9, em local a ser informado aos distintos participantes. Tema: figuras tristes da infância ou da idade adulta. Se o número de participantes não corresponder ao de almas necessárias para uma noite de gozo (ui...), desde já este distinto blog se demite de quaisquer responsabilidades (e, eventualmente, de prosseguir com o projecto). Sim, é chantagem. Tenham tomates e venham cá dizer-me na cara, va. Mais se informa que se promove a utilização de textos deste blog para eventual tentativa de humilhação do seu autor, que responderá na mesma moeda. Just try me.
Se tudo correr bem, ou um golpe de sorte nos acertar, o Animatógrafo estará na origem da capa de um livro. It's a long shot, mas do futuro só o Mandinga sabia. A ver vamos. Façam filhoses. Favas. Figas.
Não, não é nenhuma manigância. Se tudo correr bem, o Animatógrafo estrear-se-á no éter, oficialmente, para toda a Lisboa e arredores ouvir. Ou melhor, para todo o mundo ouvir, uma vez que o éter transforma-se em bits, naturalmente. A ver vamos. Façam filhos. Figos. Figas.
Eu, infelizmente, conheço-me bem. Sei que, no que toca a crítica de cinema, se não a faço logo, perco a vontade. Na última semana e meia vi filmes todos os dias, vários por dia algumas vezes. Alguns muito bons, outros nem por isso. E agora a vontade de os referir a cada um, de os criticar, se os acusar e louvar, não existe. O DocLisboa 2007 está morto, paz à sua alma. Viva o DocLisboa 2007.
Se quiser ser honesto comigo e com o mundo, admito que os Sigur Rós tiveram um papel determinante na minha evolução emocional nos últimos anos. E admito que ouvir Sigur Rós me eleva a um estado emocional superior. Toda a realidade se condensa e admira. Tudo se suspende e determina. Tive a oportunidade de ver os islandeses ao vivo, e tudo se confirmou, em tom realista, com um som que se entranhou por toda a amplitude do ar no Coliseu dos Recreios. Dois anos depois de Takk, eis que está marcado o regresso, a 5 de Novembro. E desta feita, de novo o risco. A banda que criou um dialecto próprio como forma de expressão vai aparecer com um filme, Heima, e um disco, Hvarf-Heim. Heima, que entre nós surgirá em forma de DVD, mas no Reino Unido tem honras de cinema, é um semi-documentário sobre a tourné gratuita que os Sigur Rós levaram a cabo no último Verão, na Islândia. Hvarf-Heim são, no fundo, dois CDs, com temas acústicos inéditos e temas re-feitos pela banda. O filme, cujo trailer deixo, parece tudo o que os Sigur Rós são. Heima, em islandês, significa "casa". A realização é de Dean Deblois. Ainda que agora em DVD, pode ser que, por exemplo, o IndieLisboa2008 se lembre de o passar em sala. Se quiser ser honesto comigo mesmo e com o mundo, admito que quero voltar a casa.
Chama-se In Rainbows e não vai aparecer em nenhuma loja. Os senhores decidiram arriscar e, não estando agora à mercê de qualquer editora, vai de disponibilizar In Rainbows apenas na Internet. Preço? O que se quiser. Ao cabo de dois dias, a banda tinha já visto milhão e meio de downloads, correspondentes a milhão de libras. É a democracia a funcionar em jeito de mercado. O som é apurado, mais acessível mas não mais fácil. A sujidade das guitarras deu lugar a melodias construídas com mais açúcar, mas sem melaço. Tudo é equilibrado. É assim, provavelmente, a melhor banda do mundo.
Em virtude da expansão do mercado de jornais gratuitos, passei a ler o "Meia Hora" todos os dias. A coisa é bem feita, e cumpre o que promete. Na edição de ontem lia-se, a páginas tantas, "Santana e líder laranja chegam a "acordo"". O palavra 'acordo' entre aspas pressupõe uma dúvida, imputando a responsabilidade da sua afirmação a outrem. Lê-se no texto:
O novo líder do PSD e o ex-primeiro-ministro Santana Lopes chegaram quarta-feira a um "acordo de colaboração institucional" em resultado da "coincidência de pontos de vista quanto a estratégia" a seguir, disse fonte próxima do presidente social-democrata citada pela agência Lusa. Esse acordo, acrescentou a fonte, surgiu em resultado "da coincidência de pontos de vista quanto à estratégia a seguir nos próximos anos" pelo partido. A forma como se consubstanciará esse acordo será anunciada por ambos "em tempo oportuno", adiantou ainda a fonte.
Marques Mendes era uma nulidade enquanto líder. Foi visível a falta de capacidade quer no interior do partido para motivar bases, quer no exterior para aproveitar as falhas de um governo que começa a apresentar os primeiros sinais de algum cansaço. Ainda assim, Menezes será pior que uma nulidade, tal como Santana foi. Pior que não ser, é ser mau. E esta "coincidência de pontos de vista quanto a estratégia" a seguir diz bem do que serão os próximos tempos à semi-direita. O que é profundamente preocupante. Mário Soares já o disse, mas vale a pena repetir: é mau ter uma oposição fraca, que não é capaz de controlar minimamente o governo e as instituições de Estado. À esquerda nada se espera. O BE cada vez mais comatoso e um PCP ridículo de tão anacrónico. O CDS do taxi evaporou e não regressará tão cedo. Sócrates, de quem se esperava menos mas a quem se exige mais, não tem qualquer sombra e não se sente pressionado, por exemplo, a remodelar o elenco governativo. O "acordo" entre Menezes e Santana prevê, quase certamente, uma idiotice: a liderança da bancada parlamentar por este último. Olhando para a história recente do sistema democrático, rapidamente se vê que o último líder partidário que efectivamente ganhou o poder foi António Guterres. E a este, independentemente de tudo o que se passou (sobretudo no segundo mandato), ninguém tira o facto de ter ganho o país na Assembleia, com debates fortíssimos contra um governo então vacilante. Para o líder do PSD, seja quem for, entregar a liderança da bancada a outrem é suicídio político. Entregar a Santana Lopes é mergulhar o PSD na sua mais profunda crise desde o 25 de Abril. O que seria cómico se não fosse trágico.
O Animatógrafo saúda a atribuição do Nobel da Literatura a Doris Lessing, ainda que desconheça a autora. Diz o Guardian que "announcing the award, the Swedish Academy described Lessing as an "epicist of the female experience, who with scepticism, fire and visionary power has subjected a divided civilisation to scrutiny". It singled out The Golden Notebook for praise, calling it "a pioneering work" that "belongs to the handful of books that informed the 20th-century view of the male-female relationship." O Animatógrafo estranha que a senhora Lessing seja premiada em 2007 por uma obra publicada em 1962, e cuja obra tenha tido nos últimos 15 anos uma presença errática e discreta na história da Literatura. O Animatógrafo reitera, uma vez mais, a pergunta anual: depois do reconhecimento do neo-realismo encapotado de Saramago, para quando o reconhecimento da universalidade emocional e do risco de António Lobo Antunes? Ah, pois é...
1986. No primeiro dia do ano, Portugal e Espanha entravam oficialmente para o grupo dos agora 12 da então CEE. Em Abril viria a falecer Simone de Beauvoir, e Chernobyl saía do mapa mundo e entrava para a história da humanidade, pelas piores razões. Em Junho desaparecia Jorge Luís Borges, enquanto Wole Soyinka era Nobel da Literatura. Enquanto a selecção portuguesa se humilhava no Campeonato do Mundo, no México, em Espanha o Real Madrid ganhara o campeonato e a segunda taça UEFA da sua história, em ano consecutivo. Da equipa constavam nomes como Hugo Sanchez, Michel, Sanchís, o guarda-redes Buyo, e Emilio Butragueño. Nascido na capital espanhola em 1963, Butragueño viria a afirmar-se como um dos maiores extremos do futebol europeu. Conhecido por El Buitre, o espanhol nunca foi admoestado com um cartão vermelho em toda a carreira e representou somente três clubes, tendo o Real como grande paixão assumida. Em meados da década de 80, dizia-se que Butragueño hipnotizava os adversários e passava por eles a uma velocidade estonteante, como demonstra possivelmente o seu golo mais conhecido, frente ao Cádiz. Tudo isto há precisamente 21 anos.
De novo, Outubro. E de novo, o DocLisboa. De novo, a frustração de não poder ver muita coisa. Mas de novo a oportunidade de uma felicidade breve, fora da realidade. Este ano sublinham-se, à partida:
1) -Elle s'appelle Sabine, de Sandrine Bonnaire (França, 2007, 85', Competição Internacional): O primeiro e inesquecível filme da actriz Sandrinne Bonnaire (protagonista de obras de Maurice Pialat, Claude Chabrol e Jacques Rivette) é dedicado à sua irmã autista, Sabine. O filme reúne vinte e cinco anos de filmes e fotografias de família e revela o processo pelo qual a personalidade da irmã foi destruída não só pela doença, mas também por um sistema de saúde incapaz de diagnosticar e apoiar adequadamente os pacientes autistas. Repleto de afecto fraternal mas sem qualquer concessão ao sentimentalismo fácil, "Elle s'Appelle Sabine" é um acto político de grande coragem. Através de um caso particular, o filme questiona o sistema de saúde psiquiátrico e o funcionamento das famílias, que tantas vezes julgam proteger-se do sofrimento afastando os inadaptados.
2) - Jesus Camp, de Heidi Ewing e Rachel Grady (EUA, 2006, 85', Competição Internacional): "Jesus Camp" é um filme sobre um campo de férias para crianças organizado pelo movimento de cristãos evangelistas americanos. Acreditando que as crianças devem estar na vanguarda do cristianismo evangélico, o campo incute-lhe um proselitismo militante (as crianças são persuadidas a "devolver a América a Cristo") e encoraja-as a participar activamente nas causas conservadoras promovidas pelas suas igrejas: entre muitas outras, a defesa das teorias creacionistas sobre a evolução da vida na terra, a relativização dos perigos do efeito de estufa, ou a luta pela ilegalização do aborto nos Estados Unidos. A controvérsia provocada pela estreia do filme nos Estados Unidos acabou por levar ao encerramento do campo.
3) - Rebellion: The Litvinenko case, de Andrei Nekrasov (Rússia, 2007, 105', Competição Internacional): "Rebellion: The Litvinenko Case" foi apresentado em primeira mão no último festival de Cannes, numa sessão coberta de secretismo e com importante aparato de segurança. Este documentário toma o assassinato de Alexandr Litvinenko, ex-agente da polícia de segurança russa (o FSB, sucessor do KGB), como ponto de partida para denunciar a política de medo instigada por Putin para controlar a oposição. Segundo Nekrasov, o FSB tem sido o principal instrumento dessa política, ameaçando e até mesmo matando todas as vozes críticas do regime. Além das entrevistas com Litvinenko, envenenado em Londres com material radioactivo depois de ter denunciado as acções ilegais da FSB, o filme de Nekrasov inclui ainda entrevistas com Anna Politkovskaya, a jornalista assassinada em Moscovo em 2006. Sem qualquer pretensão de objectividade, "Rebellion: The Litvinenko Case" é um filme-bomba arremessado contra a Rússia de Putin.
4) - SchoolScapes, de David MacDougall (Austrália, 2007, 77', Competição Internacional): Inspirado pelo cinema dos irmãos Lumière e pelas ideias do pedagogo indiano Jiddu Krishnamurti, o realizador australiano David MacDougall, nome fundamental do "cinema etnográfico", rodou este filme experimental na Rishi Valley School, no sul da Índia. Fundada por Krishnamurti, a escola é conhecida por aplicar os seus métodos de aprendizagem centrados na observação do mundo. Foi essa mesma premissa que marcou o início do cinema e que mais entusiasmou os primeiros espectadores. "SchoolScapes" tenta recapturar essa frescura da observação do mundo através de uma série de planos dedicados ao acto, tão simples, de olhar o que está à nossa volta.
5) - The Halfmoon Files, de Philip Scheffner (Alemanha, 2007, 87', Investigações): Durante a Primeira Guerra Mundial, os prisioneiros de guerra detidos no campo de "Halfmoon", nos arredores de Berlim, foram objecto de vários projectos de investigação científica. Um desses projectos consistiu na gravação das diferentes línguas e canções daqueles soldados, provenientes maioritariamente das colónias europeias na Ásia e na África e por isso considerados tão "exóticos" pelos cientistas alemães. Essas gravações fonográficas, que constituem hoje o acervo principal do Museu do Som de Berlim, foram o ponto de partida de "The Halfmoon Files", recuperação fantasmagórica de um passado a que apenas se pode aceder pelo som. Construído como um puzzle, reunindo peças dispersas de uma cuidadosa investigação, o filme é uma bela homenagem aos desaparecidos da história.
6) - Arquitectura de Peso, de Edgar Pêra (Portugal, 2007, 24', Competição Nacional): Respondendo a um desafio da Trienal de Arquitectura de Lisboa, o último filme-provocação de Edgar Pêra mostra quatro grandes obras públicas que "projectaram" Portugal na Europa: o Centro Cultural de Belém - onde há quatorze anos Portugal presidiu à CEE; o Parque das Nações - palco da Expo’ 98; Os estádios de futebol - para o Euro 2004; e a Casa da Música - originalmente concebida para o Porto Capital Europeia da Cultura 2001. Recorrendo a imagens de arquivo e à música de Nel Monteiro, "Arquitectura de Peso" é o resultado do confronto de um "tempo de antena musical popular" com o documentário de propaganda de arquitectura do Estado.
7) - JLG/JLG: Autoportrait de Décembre, de Jean-Luc Godard (França/Suiça, 1994, 55', Diários Filmados e Autoretratos): "JLG/JLG: Autoportrait de Décembre" é tudo menos um auto-retrato feito para a eternidade, uma biografia pormenorizada ou um testamento artístico. Godard propõe-nos, muito pelo contrário, o registo de um momento específico da sua vida através de um filme feito de planos fixos das paisagens nevadas do lago Léman e do interior da sua casa, assombrada pela silhueta do realizador e por uma banda sonora onde se cruzam duas vozes, a do realizador e a do "actor".
8) - Sicko, de Michael Moore (EUA, 2007, 74', Sessões Especiais): O novo filme de Michael Moore combina o humor com o horror para denunciar as debilidades do sistema de saúde americano, minado por décadas de subfinanciamento público e pela concorrência dos seguros privados. Recorrendo mais uma vez ao seu estilo de investigação muito particular, Moore revela os casos de doentes americanos cujas vidas foram destruídas e compara o sistema americano com o de outros países, como o Canadá, França ou Cuba, acabando por concluir que a melhor maneira de permanecer saudável nos Estados Unidos é mesmo não adoecer.
9) - When the Levees Broke: a Requiem in Four Acts, de Spike Lee (EUA, 2006, 240', Sessões especiais): Não foi o furacão Katrina que destruiu Nova Orleães: foram os diques, quando cederam à força das águas e inundaram grande parte da cidade. Filmado logo após o desastre, o último filme de Spike Lee é um retrato tocante dos efeitos de uma das piores catástrofes que jamais atingiu os Estados Unidos. Com depoimentos de mais de cem pessoas, "When the Levees Broke" dá conta de tragédias pessoais e das estratégias de sobrevivência de uma cidade habituada a lutar contra a adversidade, mas absolutamente incapaz de imaginar que, abandonada pelo seu próprio governo, seria obrigada a enfrentar sozinha toda aquela destruição. Ninguém em Nova Orleães esquecerá que ao visitar a cidade após a catástrofe o presidente nem sequer saiu do avião. Preferiu ver apenas a cidade de cima. Com música de Terence Blanchard. Vencedor do Human Rights Film Network Award e do Venice Horizons Documentary Award no F stival de Cinema de Veneza em 2006.
Pelo amor da Santa, vão ao cinema. DocLisboa 2007, de 18 a 28 de Outubro.
(textos retirados do programa oficial, disponível em http://www.doclisboa.org/downloads/pt_programa_2007.pdf)
Uma mulher que dorme de boca abertaé um fantasma moderno. Enquanto um homem que dorme de boca aberta parece apenas idiota, uma mulher transforma-se num ser abstracto, que tanto pode apelar à dimensão estética do oculto, como revelar-se uma borboleta esquecida da natureza nocturna, à espera de ser resgatada. Existem vários tipos de mulheres que dormem de boca aberta: as que mostram apenas os dentes nos combóios da CP, subtis, de tez lânguida e envergonhadas no sono, que não apelam a nada sensual; as mulheres-macho que imitam o Felisberto de S. Paio e se escancaram ao oxigénio, colocando as amígdalas a arejar, eliminando assim quaisquer pólipos mais resistentes à Aldeia Velha nas cordas vocais; as que intercalam o ângulo de 30 graus quando vão no lugar do morto com uma boca erradamente fechada, oscilando entre o desejo sexual pelo ar que entra na janela e a reminisência da chucha de borracha castanha da sua infância tardia. E depois as que apelam a lugares pouco comuns da literatura, movidas na noite por um leve arfejo do peito, como que espantadas mas convencidas, num limbo dir-se-ia psicosomático, a assomar a substâncias apenas ligeiramente narcotrópicas, como o alecrim. Estas, as mais raras e assim as mais sensuais, exalam um odor pela pele que difere do reflexo da luz na ria de Aveiro por meros quatro cromas, e levam qualquer homem à loucura, tomado em si por um nível de ternura insuportável mesmo para os mais maricas. Vários estudos comprovam que uma larga percentagem de homens com problemas de insónia documentados são precisamente testemunhas destas visitas fantasmáticas e, tolhidos no seu sono por tal imagem, desaparecem do campo do descanso para nunca regressarem verdadeiramente. O número destas mulheres está em queda, sobretudo em países com filmografias menores, como a Moldávia (onde predominam as Mulheres que cultivam o buço, o que cria um peso extra que obriga a boca fechada) ou as Ilhas Canárias (que, não sendo um país, convoca-se como microcosmos onde as mulheres, quando de boca aberta, não dormem nem deixam dormir).Um fantasma que dorme de boca aberta é uma mulher moderna.
É oficial. Alguns homens, perante a puta da idade, perdem a compostura e compram um descapotável em segunda mão, ao mesmo tempo que furam uma orelha. É a auto-intitulada "crise de meia idade", uma substância narcotrópica que se entranha pelas virilhas e afecta uma percentagem substancial de seres humanos, cuja maioria arranja ainda uma amante em Santa Íria ou Massamá, com quem dá "umas voltinhas" às terças e sextas. Ora, parece que saltei uma fase, como quem se esquece de tomar a pílula na semana fértil, e subi imediatamente ao escalão da "terceira idade". Senão vejamos: não consigo dormir com problemas respiratórios, o que inibe o desejo sexual de qualquer um (tirando os que retiram orgasmos de tais fantasias como sufocação com sacos de papel gordurentos); passei a tarde numa sala de espera com papel de parede com jarras e uma televisão pequenina, na qual a Júlia Pinheiro surgia mais gorda mas anã, a ler a revista da Ordem dos Farmacêuticos ou a Notícias Magazine de 4 de Março, esperando ansiosamente que uma voz aguda que me viesse chamar através de um sistema de som amarelado pela tosse; perante as notícias de um senhor já senil com uns óculos pequeninos, que me reconhece com a expressão "não vem cá há uns anos valentes", saí à rua cabisbaixo, a pensar na farmácia mais próxima, onde viria a gastar o equivalente a meia reforma, escutando atentamente os conselhos de uma directora técnica divorciada que, entre outras perguntas, indaga pelos "diabretes"; à porta de casa, a excedente senhora da limpeza olha de lado enquanto mancho o mármore do patamar com os sapatos poídos, e o vizinho do terceiro andar passeia o bulldog inglês asmático entre sorrisos de controlo; o jantar resume-se a uma "sopinha", "que faz muito bem", e o gato, redondo, dormita numa cadeira entre uma primeira parte seca do Sporting e a máquina de lavar roupa que ronca intermitentemente. Se tudo correr bem, amanhã levantar-me-ei cedo, "porque não consigo dormir mais com as dores nas costas", digo "bom dia" à miúda gorda da padaria que espreita o movimento da rua antes das nove à sombra de um Português Suave, cruzo-me com o carteiro que me ignora, e passo a manhã escondido atrás de "A Bola" na leitaria do mercado, para me surpreender perto do meio dia com as horas e regressar, calmo, a pensar que qualquer dia uma bengala não era assim uma ideia tão má.
Assim, prostrado à insignificância de uma rinite, gozado de dentro para fora sem uma mulher, apetece-me escrever sobre o Mourinho, sobre o docLisboa, sobre o Mendes e o Menezes, sobre o cadáver rarefeito da Maddie (prós amigos), sobre o novo dos Coldfinger e dos Blonde Redhead, sobre flores artificiais e sobre velhas ricas, e gajas inglesas. E só me vêm palavrões à cabeça.
Lars Von Trier surgiu aos olhos do mundo com Europa, em 1991. Em 1994 surgia o perturbador The Kingdom, mini série de televisão que continha já os elementos que viriam a constituir a base do movimento Dogma95. Breaking the Waves, em 1996, revelou não só uma até então desconhecida Emily Watson, mas também a tendência de Von Trier para rupturas, experimentações e demais atitudes semi-vanguardistas. Em 2003, já depois do aclamado Dancer in the Dark com Bjork, o dinamarquês teve a coragem de mostrar Dogville, epifania com Nicole Kidman a dar o corpo ao manifesto. O filme, completamente alicerçado no texto, som e cenografia, abdicava da imagem enquanto ponto base da sua estrutura e propunha uma cenário seco e frio, semi-teatral, no qual as personagens se moviam quase no vazio. Recolheu aplausos da crítica e incompreensão do público, e continuou a mostrar Von Trier como realizador com gosto pelo risco. Com data de 2005, e estreia directa em DVD (não passou sequer pelas salas de cinema), Manderlay mantém o modelo formal do seu antecessor, mas aplica-o num argumento mais acessível e, ao mesmo tempo, mais ambicioso. Parte de uma triologia que será encerrada com o anunciado Wasington (2009), Manderlay segue Grace, depois da fuga de Dogville, mas numa posição de poder que não se lhe reconhecia. Se em Dogville, a personagem de Kidman era vítima de todas as opressões e sucumbia à cidade, já agora assume as rédeas de uma velha quinta de algodão que sobrevive na base da escravidão, ainda que 70 anos tenham passado desde a abolição da escravatura. Afastando-se da vida mafiosa do pai, Grace surge como pólo aglutinador de utopias e transformações de uma comunidade supostamente fraca e subordinada. Porém, Von Trier tem a mestria de conduzir um filme sublinhando a amoralidade de uma América à procura de si mesma, para por fim inverter utopias e subordinar Grace, agora vivida por uma competente Bryce Dallas Howard, à exigência de um sistema fixo de vivências contidas e violentas. Desta feita, o modelo está aperfeiçoado e nada mais parece forçado, ou o olho estará educado. Os vazios parecem cheios, e o som e cenografia abstractos parecem no local certo. A manipulação do dispositivo surge como perfeita, e Von Trier parece cumprir o objectivo de uma triologia sobre a América. Em Manderlay, agora sim, parece sentir-se o pulso, tanto passado como presente, de tensões nunca resolvidas. Agora sim, estabilizado um modelo pouco comum, Von Trier parece conseguir escrever precisamente aquilo que quer, para uma aplicação que flui, mercê da sua não novidade. O trabalho de argumento é brilhante por parte do dinamarquês, ainda que, communmente, maior acessibilidade não corresponda a maior qualidade. E não, não se poderá dizer que Manderlay é melhor que Dogville. É, quanto muito, diferente. Porque Kidman é bem diferente de Bryce Dallas, porque o equilíbrio dramático se sente como pensado, porque a temática é completamente diferente. Diferentes entre iguais. Para mais, Manderlay merecia descaradamente ter passado pelas salas, em vez de ser remetido subtilmente para DVD. Espere-se pela conclusão, e teremos uma triologia que acrescenta todo um novo capítulo à carreira de Von Trier e traz o cinema para um campo que se pensaria esquecido: o da experiência.