Letizia Russo tem 22 anos, se a memória não me falha. Parece que entregou um trabalho escolar, o qual lhe pediram que adaptasse para teatro. O resultado valeu-lhe um prémio de nível nacional. A italiana tem andado, desde então, de cidade em cidade europeia, a convite, a escrever umas coisas. "Animais Domésticos", em cena no Teatro Nacional D. Maria II até dia 23, foi criada dentro desse espírito e propositadamente para os Artistas Unidos. Com bolsa da Gulbenkian, Letizia andou a passear pelo Martim Moniz e Intendente, à procura de material. O resultado é francamente bom. Na prática, "Animais Domésticos" procura os tiques e demências de um grupo de sem-abrigo, em busca de algo tremendamente perdido. Enquanto reflexão de um olhar estrangeiro sobre Lisboa e os seus "animais", o texto é de uma crueza e simplicidade assumidos, alicerçando o seu ritmo no surrealismo das personagens, nas suas obcessões e angústias. Entre meia dúzia de maluqueiras, lá sai uma verdade verdadinha "à tuga". A ideia de que "lá fora é melhor", por exemplo. Ou os encontros de velhas guerras e amores em funerais alheios. Russo capta um conjunto de manias e dá-lhes uma roupagem actual e ao mesmo tempo abstracta, inserindo breves reflexões sobre a natureza das coisas e da linguagem, como a ideia de cada coisa com seu nome, e que esses nomes se aprendem e ensinam, mais do que o seu significado. O humor surge naturalmente da construção do texto e das potencialidades que dele surgem para o trabalho da encenação. A noção de uma história por detrás de cada personagem é levada ao limite e utilizada como objecto de construção das paranóias individuais, sendo o pano de fundo a verdadeira análise exterior a "tuga city". O trabalho dos actores é primoroso (sendo que Sylvie Rocha está uns furos abaixo do resto do elenco). Mais do que não seja pela curiosidade de ver Lisboa pelos olhos de um estrangeiro, "Animais Domésticos" merece uma visita ao D. Maria II.
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