docLisboa 2005: Samagon (*****)

São 12 minutos puramente fantásticos. Samagon, curta-metragem de Eugen Schlegel e Sebastian Heinzel, segue nas palavras, gestos e sorriso de Vera, uma velha no interior profundo da Bielorrússia. Vera vive numa casa de madeira de postal ilustrado, numa aldeia onde não há homens. Uns atrás dos outros, todos morreram deixando a sobrevivência às mulheres que restam. O tempo corre respirado. Ao amanhecer, Vera acorda para abrir a porta aos gansos que saem a posar para a camera. Ao anoitecer as janelas emanam uma luz de caramelo e Vera agita-se para lá da janela. A velha conta-nos como durante a II Guerra Mundial salvou a aldeia com uns copos de vodka. Apenas com 10, 12 anos, a criança Vera deu de beber aos soldados alemães que se preparavam para incendiar as casas, com a sua vodka caseira, conseguindo, na inocência rural da sua juventude, evitar a ira alheia. Vodka que nos ensina a fazer desde a primeira imagem: fruta cozida com aguardente e compotas, mistura coada que se acalma durante um mês junto a uma janela vendo nevar. Morre depois à luz da fogueira, destilada para uma garrafas que fazem a dona sorrir gota a gota. Se é verdade que é preciso ser-se feliz com as personagens que surgem num documentário, e disso os dois estudantes alemães não se podem queixar, também é verdade que tem que se procurar essa sorte e tirar dela o maior partido. Os dois jovens alemães (um deles presente no visionamento em Lisboa) fazem de cada plano uma imagem quase inigualável, quer cromaticamente, quer na sua simplicidade. Os 12 minutos de Samagon, que estão justamente incluídos na Competição Internacional do festival, convocam sentimentos e afectos, para além de cumprirem aquilo a que se cumprem: documentar um espaço, um tempo, os seus habitantes. Além disso, é a assumpção da ruralidade como algo não necessariamente castrador e depressivo, mas antes como um modo de vida com tempos diferentes, cuja respiração se vai perdendo nas sociedades contemporâneas. Ainda que viúvas, nem Vera nem as vizinhas são chorosas ou fechadas no seu casulo de idade. Têm consciência que é aquela a sua vida, e não enjeitam a hipótese de sorrir ou de beber mais um copo.

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