Premiado internacionalmente, El Cielo Gira é o primeiro trabalho de Mercedes Álvarez e parte de si mesma: a espanhola foi a última pessoa a nascer em Aldeaseñor, uma aldeia em Soria, no norte de Espanha. Outrora populosa, a aldeia que alberga inúmeros vestígios de dinossauros está hoje à beira da extinção, tendo apenas 12 habitantes, 14 à data de realização, segundo sublinhou a própria realizadora antes do visionamento em Lisboa. A particularidade de ter sido a última "filha da terra" serve a Mercedes, que abandonou o local muito pequena, como mote para revisitar os espaços e os sobreviventes, criando uma imagem forte da zona mais desertificada da Europa. A espanhola, envolvendo-se no trabalho de criação do documentário como objecto muito para além do mero registo de uma realidade, convoca elementos que a ele são estranhos, como o pintor Pello Azketa à beira da cegueira. É Mercedes que lhe pede para visitar a aldeia, é por sua sugestão que a percorre com as mãos e o velho Antonino como legenda sonora dos edifícios. El Cielo Gira converte-se assim, facilmente, de um registo de uma realidade palpável para uma sua interpretação e descodificação, à sombra da uma ideia de ruralidade perdida. Desde cedo, desde as primeiras palavras de Mercedes, que surge como narradora de estados de espírito e acontecimentos que não vemos, como a morte de um familiar, que se compreende que o trabalho de revisitação da aldeia é, em primeira instância, seu. E, no caso, pessoal. É a sua revisitação que fica registada enquanto documentário. O risco é, assim, grande. E só é suplantado porque esse olhar, que se reflecte em cada plano ou pausa, consegue transcender o seu carácter pessoal e ilustrar um sentimento de perda que varre vastas regiões da Europa mediterrânica. Quando o inverno chega à tela, já o olhar de El Cielo Gira é também o nosso, e não o de Mercedes apenas. Inteligente, a espanhola tenta fugir dos pormenores pessoais que não tenham significância global. E muito do trabalho para estabelecimento de uma relação com o espectador é feito pela imagem, pela definição estética dos planos, pela organização. Mais uma vez, como em Samagon, há uma dose de sorte com os personagens que habitam Aldeaseñor, idosos dotados de personalidades vincadas e de humor afiado, potenciado pela presença da lente. Mas é preciso saber filmar o acordar a meio da tarde, começando pelos gatos, passando aos cães, e acabando no levantar de sobrolho de Antonino, que logo regressa ao sono interrompido. O trabalho de Álvarez é respirado, dando espaço ao objecto documentado para se revelar, sem pressas mas sem excesso nas pausas, ponderado mas não mole. O resultado é um filme belíssimo e de uma simplicidade desarmante, quase natural nas suas formas. E, curioso, muito longe da imagem de auto-comiseração que graça na ruralidade portuguesa. É o definhar lento de formas de vida, sem dramas, mas sem alegrias.
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