docLisboa 2005: Avenge but one of my two eyes (****)

É possivelmente um dos candidatos à vitória final no docLisboa deste ano. Avenge but one of my two eyes, que vai buscar o título às palavras de Sansão antes de matar 3000 romanos de uma só vez, é um filme mergulhado no conflito israelo-árabe, à procura das suas razões culturais mais íntimas. Avi Mograbi foge de Jerusalém e prefere filmar as montanhas de Masada, onde guias turísticos incorporam o papel de pregadores e tentam inspirar os curiosos com a lenda do suicídio colectivo naquele palco. Muito longe da abordagem comum sobre a questão, Mograbi tenta passar para imagem toda a crueza que existe no contacto com a realidade quotidiana, tanto do lado israelita como do lado palestiniano. Junto a uma estrada controlada por militares israelitas, um grupo de crianças aguarda a abertura de um portão para poder regressar a casa, enquanto os soldados limitam-se a estar no local sem qualquer acção. Antes, um grupo de palestinianos começa a lavrar a terra quando é interrompido por militares que afirmam que a zona está interdita. Numa escola, crianças palestinianas de 6, 7 anos descodificam a lenda de Sansão, que depois de torturado e sem forças, pede ajuda a Deus para uma última vingança, afirmando que preferem morrer e matar simultaneamente muitos inimigos a serem capturados. Mograbi filma faces, rostos, humilhações, em descampados longe de tudo, acentuando o surrealismo das acções. Interventivo, interpelando os militares, gritando, Mograbi sente o trabalho de imagem por dentro. Os pontos de fuga estão na longa conversa telefónica com um amigo palestiniano, tensa mas desencantada, equilibrando os momentos mais rudes com uma dose de racionalidade. O pano de fundo, no entanto, é sempre a raíz histórica da questão, da luta judaica pela liberdade em Massala à resistência palestiniana inculcada em casa criança pelos cabelos de Sansão. Mais do que um conflito bélico, político ou religioso, Mograbi mostra um conflito histórico e cultural, degladiado nas palavras de uma professora primária e nas explicações de um guia turístico, quase que cirurgicamente implantado no estomago de quem quer ouvir.

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